1300º das cinzas uma árvore – o eterno retorno
Local: Museu da Imigração do Estado de São Paulo
“A figueira no jardim da Hospedaria, hoje Museu da Imigração, está morta. Por segurança vamos cortá-la...”
comunicado público em 2020
É muito provável que imigrantes japoneses, inclusive os meus, os seus, os nossos antepassados, deslizaram suas mãos no tronco e descansaram sobre as raízes desta figueira centenária. Mais de dois milhões de imigrantes passaram por ali.
.... Vejo um casal de imigrantes jovens, uma família, talvez os meus avós, sorrindo em meio a tantos galhos, verdinhos, protegendo as cabeças da criançada hiperativa. Dividiram ali um oniguiri com a família. Na enorme e refrescante sombra, devem ter feito novas amizades com imigrantes de tantas outras nacionalidades .... mais de 70 etnias, que, na época, transitavam pela cidade de São Paulo e eram recebidos na Hospedaria do Imigrante. Compartilharam ali seus sonhos, costumes, marmitas, emoções, fome, medo, curiosidade e imensa esperança! Comunicaram-se entre si com olhares ansiosos, gestos tímidos, contidos, espontâneos, expondo dificuldade e expectativa pelos desafios que já entreviam para os dias seguintes. Durante mais de 100 anos a figueira ouviu, sentiu, protegeu e os acolheu, incondicionalmente. Vamos abraçá-la? Ressignificá-la!
“A árvore está morta
Sofrimento, desolação, fim.
Aprendi com os mestres ceramistas japoneses a buscar na terra, nos elementos primordiais da natureza ... uma inspiração, continuidade, movimento.
No torno, afundo cada um dos meus dedos no barro úmido e aguardo o torno girar, o movimento centrífugo incomodar, a água fria escorrer, o ar soprar, o fogo da criação precipitar.
Transpiro, crio concavidades, cilindros, formas orgânicas naturais, longas, arredondadas, abertas
Exercício de respirar, viver, criar
Para então fechar, guardar histórias, memórias, proteger para legar
Guardo no interior de cada objeto um imensurável espaço vazio, paciência dedicada ao tempo... um tesouro.
Tesouro protegido por uma fina camada de argila.
No início, uma parede frágil, porosa, banhada somente pelo pó das cinzas desta árvore centenária, que levada ao fogo, a 1300º, transforma-se e eterniza-se em cor, textura, luz e memória.”
Hideko Honma - fevereiro/2021